30 de dezembro de 2009

Nada aconteceu.


Era um prazer indescritível. Marcávamos com pouca antecedência, pois todos conheciam meu poço de ansiedade. No dia anterior à saída eu passava a noite lá.
Adorava o aroma do café, a cor clara das paredes antigas e os caixilhos alongados daquela casa antiga. Uma casa térrea, provavelmente construída nos anos 30. O telhado baixo de quatro águas abrigava em sua fachada uma pequena varanda limitada por uma mureta de balaustre. Casa que não tem garagem, carro era raro quando da construção. Tinha sim um quadradinho simpático, bem no meio do recuo que abrigava um jardim singelo de flores pequenas de cores lindas, que circundavam um pinheirinho irradiando um bem estar vertical.
Levava meia hora de metrô mais vinte minutos de caminhada íngreme até chegar lá, Santana, bairro da zona norte com ares alpinos.
A impressão, durante a caminhada, era que todos os prédios e casas altas se escondiam e o ruído das avenidas sucumbia diante daquele portão de ferro fundido em volutas art noveau. Era uma cena quase bucólica. Sabia que aos primeiros passos rumo ao interior estaria salvo da selvageria e da mesmice da rotina urbana.
- Din Don!
- Chegou bem? – minha irmã perguntava
- Claro.
- Quer alguma coisa?
- Não.
- Senta aí.
Pronto, seguro.
Amanhã, aventura!
Dava pra sentir ainda o cheiro residual do refogado do almoço, passava uma tranqüilidade de casa de família. Duro era a tarefa seguinte: dormir. Dia seguinte levantava cinco da manhã, mochilinha de napa com sanduíches de presunto gordo e um punhado de notinhas pra pagar a condução.
Sempre friozinho na manhã paulistana. Pegamos um ônibus ali perto até o Pico-do-Jaraguá.
Foi assim, caminho tortuoso, cheio de freadas e trepidações em meio a paisagem da periferia quase rural. Do fundo do ônibus avistava o motorista e sua luta com o volante e a alavanca do câmbio todas as vezes que lá fora alguém esticava a mão como numa súplica para que ele parasse. Nas fileiras da frente um sujeito se fazia ver toda vez que havia uma curva e sua cabeça traçava a curva do pêndulo contrário. Não demorou muito para que o tal se levantasse e com toda determinação começasse a se dirigir ao cobrador bradando palavras desconexas que valeriam muito no fronte de uma batalha medieval. Também não demorou quase nada pra que ele se esborrachasse no corredor metálico do ônibus.
Me olhou, pouco, e disse:
- Vai lá, ajuda.
- Eu?!?
- Vai.
Levantei com toda a segurança que se pode esperar de um adolescente e seus treze anos, rumei até o desconhecido na maior velocidade possível (segundos que duraram horas), peguei-o pelo braço e guiei-o, sem muito esforço, até o assento. Ele baixou a cabeça e só.
Voltei-me e segui para meu lugar. Nada parecia ter acontecido. Ninguém moveu o olhar. Minhas entranhas tremiam.
O ônibus parou e todos desceram na parada final. Sete e quarenta. O frio já se dissipou. Bota, luva, gorro...calor do cacete!
Caminhamos até o meio daquelas alamedas com chão de terra e sombra permanente, paramos num gramado e nos fartamos com aqueles tais sanduíches.
Retomamos a jornada e o fôlego juvenil quase faltou até alcançarmos o cume.
Vista linda e vertigem, toda a cidade ali embaixo como brinquedo de montar.
Recompensa de se estar lá e só.
Prazer de ajudar alguém só.


crédito da foto: na foto e no http://tvecologica.files.wordpress.com/

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