25 de fevereiro de 2010

Paixão Alemã


Era assim, quando a Clarice nos visitava tudo parecia mais animado e feliz. Isso acontecia pelo menos duas vezes por semana, geralmente numa quarta-feira a noitinha e outra no sábado a tarde. Olha que ela morava do outro lado da rua.
O fato de a Clarice contar piadas, fazer caretas e falar alguns palavrões me enchiam de entusiasmo e de uma sensação de liberdade. Diferente, principalmente, porque estávamos dentro de casa, num ambiente seguro e tínhamos o prazer da exclusividade.
Conversam descompromissada e divertida, que levava horas e passava rapidinho de tão boa.
Um dia ela chegou com novidades:
- Vou pra Alemanha.
- Com quem?
- Uma amiga minha, a Diva, mora lá faz um tempo. Casou. Me convidou. Parece que lá tem emprego e pagam bem.
-Quando?
- Semana que vem. Falta acertar o passaporte.
- Tem certeza?
- Tenho que tentar. Aqui não rola nada, to desempregada faz um ano. Vou antes que acabe a grana.
E assim foi.
Clarice na Alemanha e nós aqui com saudades.
De repente, numa tarde, chegou uma carta de lá (não havia internet...bom lembrar)
Descrevia em detalhes a situação, como eram as pessoas, as coisas, o clima, o cheiro. Mandei logo uma resposta. Entusiasmado eu perguntava tanto cabiam as idéias num papel. Logo vieram novas cartas de lá. Vinham com fotos da neve,recortes de revistas, gravuras maravilhosas (não tenho mais nenhuma...fucks), cartões postais, etc. e tal.
Comecei a nutrir desejo de ir pra lá. Comecei até a acompanhar um curso de alemão pela TV Cultura (pode?).
Nessa troca de correspondência chegou a notícia da visita de Diva ao Brasil. Diva gostaria de nos conhecer.
- Lógico. Avise quando ela chegará. Iremos buscá-la no aeroporto. (A Lufthansa ainda operava em Congonhas).
Chegaram.
Diva e Sylvia.
Sylvia uma alemã linda, de bochechas vermelhas, loira legítima, raro de se ver.
Pah! Apaixonei!
Conversamos muito, passeamos, conhecemos amigos uns dos outros.
Cada momento que passávamos juntos ia me interessando mais e mais pela “viking” Sylvia. A testosterona adolescente transbordava da pele e a coisa fervia toda vez que a encontrava.
Numa ocasião fomos a um parque (Guarapiranga se não me engano) e em certo momento percebi que Sylvia tomava a goladas uma espécie de xarope. Não entendi e pouco importava. Eu queria era estar perto dela.
O devaneio foi interrompido quando tive que viajar para Campos do Jordão para um camping selvagem, combinado havia tempos com meu primo e um amigo (essa eu conto depois).
Todo aquele tesão me fez antecipar o retorno. Sabia que a Sylvia iria embora e tinha que me despedir.
Valeu. Cheguei a tempo. Fui premiado com um “selinho” da nórdica.
Selinho. Rendeu anos a sensação.
Passado um tempo as cartas da Clarice não chegavam mais. Senti falta, escrevi cobrando. Parei logo com receio de me tornar um pentelho.
Num certo dia o telefone toca:
- Alô...Oi Clarice...tá, tá bom.
- O que foi?
- A Clarice...falou que chega amanhã. Pediu que não falássemos nada a ninguém. E se possível que fossemos buscá-la no aeroporto.
- Algum problema?
- Parece...tava aflita.
- Como assim?
- Amanhã ela conta. Sossega!
Ela contou. Foi pra lá esperando progresso. Com o tempo descobriu que Diva era mentora de uma pequena rede de tráfico de remédios proibidos na Europa.
A Sylvia, ah Sylvia, não passava de uma “mula” (Oh! Gloriosa “mula das neves”).
O xarope...funcionava como alucinógeno, licergia disfarçada.
A Clarice voltou. Sua vida ameaçada. Veio fugida. Uma mão na frente e duas atrás. Voltou mais pobre, mas ainda viva.
Nunca mais demos risadas juntos.