
Quando era criança e estava em casa, pela manhã ouvia um som que vinha da rua. Pareciam pequenos sinos mágicos. Sinos agrupados que tocam e se manifestam quando são chacoalhados. Ao mesmo tempo ouvia-se também o ruído delator de uma carroça, que chega girando suas grandes rodas de madeira raiada, arrastando a sinta metálica protetora do atrito. De repente os sinos paravam e ouvia-se uma voz masculina gritando uma espécie de canto lamentoso:
- Garrafeeeeeiroooooo!
Então eu corria até a janela, me pendurava nas grades e avistava a pequena carroça que era tracionada por um ser maltrapilho e bem sujo. Estavam lá as garrafas, penduradas, por todo o contorno da rude carroça de tração humana. As garrafas se batiam, tilintavam com uma harmonia que Hermeto Pascoal invejaria.
O que seria hoje um “catador de sucatas” um “reciclador” era o garrafeiro daquela época. Garrafa do leite, da coalhada...coisas que não existem mais.
Passado um tempo, o som dos sinos sumiu, mas o mesmo garrafeiro, agora não tão maltrapilho, puxava a mesma carroça que transportava um novo ramo:
- Batateeeeeeeiroooooo!
Era uma nova fase, que durou algum tempo, até surgirem as grandes redes (multinacionais) de supermercados.
Daí que um tempo depois eu estava caminhando rumo a escola e vi que a banca de jornal da esquina tinha um novo dono. Sim, lá estava o garrafeiro, batateiro....agora jornaleiro!
O nome dele: Francolino (não, eu não inventei.). Nunca soube o primeiro nome e sempre acreditei que este era o sobrenome.
Fez fama no novo empreendimento. Ele vendia figurinha fiado pra molecada e depois cobrava educadamente das mães (depois rolava uns petelecos em casa!), entregava jornal a domicílio (primeiro delivery que conheci.), fazia rifa de jantar “TudoPago” para o “Rodízio de Pizzas do Grupo Sérgio”(????) e mais uma porção de “ações de marketing”.
Com isso, logo chegou ao cargo de presidente da associação dos amigos do bairro. Lá ele promoveu diversos eventos como bailes, desfiles (paradas), reformas de praças, etc.. Sua fama divertida cresceu quando em um discurso (num destes desfiles que envolvem fanfarras de escolas) ele, no anseio de falar com “boniteza”, soltou:
- E aguardem as surpresas que estão sendo preparadas para as festas “Joaninas”!!!!
E assim foi se estabelecendo uma cumplicidade dos moradores com o figura Francolino.
Como todo excesso de exposição cansa, cansei eu e muitos outros de Francolino.
Soube que no início dos anos oitenta ele se candidatou a vereador. Não sei por qual partido e isso realmente não interessa.
Soube também que Francolino caiu do alto da cobertura de um prédio, lá no bairro da Luz, próximo a igreja de São Cristóvão.
Ele, sozinho, foi instalar uma faixa de propaganda eleitoral, num feriado (ou domingo), caiu para dentro do fosso do prédio. Foi achado dias depois. Morto.
Todos se lembram.
Passou como se nada fosse.