9 de maio de 2010

Francolino e os Sinos!


Quando era criança e estava em casa, pela manhã ouvia um som que vinha da rua. Pareciam pequenos sinos mágicos. Sinos agrupados que tocam e se manifestam quando são chacoalhados. Ao mesmo tempo ouvia-se também o ruído delator de uma carroça, que chega girando suas grandes rodas de madeira raiada, arrastando a sinta metálica protetora do atrito. De repente os sinos paravam e ouvia-se uma voz masculina gritando uma espécie de canto lamentoso:
- Garrafeeeeeiroooooo!
Então eu corria até a janela, me pendurava nas grades e avistava a pequena carroça que era tracionada por um ser maltrapilho e bem sujo. Estavam lá as garrafas, penduradas, por todo o contorno da rude carroça de tração humana. As garrafas se batiam, tilintavam com uma harmonia que Hermeto Pascoal invejaria.
O que seria hoje um “catador de sucatas” um “reciclador” era o garrafeiro daquela época. Garrafa do leite, da coalhada...coisas que não existem mais.
Passado um tempo, o som dos sinos sumiu, mas o mesmo garrafeiro, agora não tão maltrapilho, puxava a mesma carroça que transportava um novo ramo:
- Batateeeeeeeiroooooo!
Era uma nova fase, que durou algum tempo, até surgirem as grandes redes (multinacionais) de supermercados.
Daí que um tempo depois eu estava caminhando rumo a escola e vi que a banca de jornal da esquina tinha um novo dono. Sim, lá estava o garrafeiro, batateiro....agora jornaleiro!
O nome dele: Francolino (não, eu não inventei.). Nunca soube o primeiro nome e sempre acreditei que este era o sobrenome.
Fez fama no novo empreendimento. Ele vendia figurinha fiado pra molecada e depois cobrava educadamente das mães (depois rolava uns petelecos em casa!), entregava jornal a domicílio (primeiro delivery que conheci.), fazia rifa de jantar “TudoPago” para o “Rodízio de Pizzas do Grupo Sérgio”(????) e mais uma porção de “ações de marketing”.
Com isso, logo chegou ao cargo de presidente da associação dos amigos do bairro. Lá ele promoveu diversos eventos como bailes, desfiles (paradas), reformas de praças, etc.. Sua fama divertida cresceu quando em um discurso (num destes desfiles que envolvem fanfarras de escolas) ele, no anseio de falar com “boniteza”, soltou:
- E aguardem as surpresas que estão sendo preparadas para as festas “Joaninas”!!!!
E assim foi se estabelecendo uma cumplicidade dos moradores com o figura Francolino.
Como todo excesso de exposição cansa, cansei eu e muitos outros de Francolino.
Soube que no início dos anos oitenta ele se candidatou a vereador. Não sei por qual partido e isso realmente não interessa.
Soube também que Francolino caiu do alto da cobertura de um prédio, lá no bairro da Luz, próximo a igreja de São Cristóvão.
Ele, sozinho, foi instalar uma faixa de propaganda eleitoral, num feriado (ou domingo), caiu para dentro do fosso do prédio. Foi achado dias depois. Morto.
Todos se lembram.
Passou como se nada fosse.

5 de maio de 2010

Show?


E teve um dia que cheguei cedo em casa. Antes mesmo de descer do carro sou abordado (não, isso não é um conto policial, não serei assaltado) pelo Celso. Ele é meu vizinho e um puta cara gente boa. Ele, já completamente bêbado me pergunta com toda a firmeza que um macho deve demonstrar quando está.......bêbado:
- De zero a dez, que nota vc dá pro CPM22?
- 2.
- Tenho uns ingressos pro show deles hoje, quer ir?
- Lógico! Que horas?
- Nove horas.
- Porra! Mas já são oito e meia!!!!
- Foda-se! Quer ir?
- Bora lá!
Tomei um banho rápido, coloquei a primeira roupa que sorriu pra mim e fomos.
Chegamos ao Via Funchal. Deixamos o carro dele num estacionamento absurdamente caro como de costume nesses eventos (fui de motorista, porque estava sóbrio, certo Mr. Bafômetro?) e caminhamos até a entrada da casa.
Lá nos deparamos com uns garotos desolados sentados na rampa de acesso. O Celso olhou pra mim e de repente ele pergunta aos tristes:
- Vocês querem ver o show?
- ......
- Não querem não?
- Queremos, queremos, queremos....!!!!
- Então tó! (6 ingressos cheirosos e originais apontados na fuça de um dos pequenos Emos)
Fez-se o ânimo naqueles meninos e eles acabaram entrando antes que pudéssemos pronunciar a palavra “Porra!”.
Lá dentro o show já estava bem andado, na verdade bem pro fim. Comecei a reparar e concluí que a idade média não ultrapassava 15 anos.
Ficamos lá no fundo observando a muvuca da garotada. Achei que iriam levantar o palco e levar pra casa. O Pit Lane parecia um berçário. Criançada doida.
Celso magoou quando soube que não havia bebida alcoólica lá dentro, mas...gente, tinha garoto bem doido lá, viu? (mães e pais descolados: preparem-se!).
Acabou o show, passadinha básica no w.c. e ao sair do prédio nos deparamos com uma enxurrada de pais e mães aguardando os rebentos quase rebeldes.
Fomos acompanhando o fluxo e lá na frente havia um sujeito vendendo bebidas, com aquelas geladeiras de isopor, quase ajoelhado ele ia gritando:
- Guarná, Coca, Água....Guaraná, Coca, Água...
De longe ele nos viu e :
- Aê Barba! Tem cerveja gelada aqui!
Porra! Todo mundo olhou pra gente!
- Dá uma aê! (só pra garantir a macheza)
Sabe que até hoje não lembro de um acorde sequer das músicas que provavelmente foram tocadas naquele show. Lembro muito bem do saborosíssimo X-salada que comi no Cambuci quando voltávamos, da companhia agradável do Celso e do sujeito da geladeira de isopor! Nunca havia me sentido tão velho!